quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Birruga


(Causo inspirado numa biografia não reconhecida qaue meu amigo Marco Aurelio Brasil Lima fez de mim certa ocasião)
Pacard

Sou Birruga. Conhecido por Birruga. Me chamam  de Birruga. Minha história é triste, mas deve ser contada de pai pra filho para testemunho da bravura das pessoas que forjaram com tenaz de ferro a grandeza do Cêrro do Bassorão.
Nasci no Cêrro do Bassorão. Mas não fiquei no lugar a vida toda. Não senhor. Não fiquei. Teria ficado se me deixassem, mas não me deixaram. Meu comportamento me fez sair de lá muito cedo. Eu lembro bem. Tinha dois anos de idade. Era um guri novo. Bem novo. Com  apenas dois. Dois anos de idade. Mijava na cama. Ainda mijo.
 Lembro bem. Eu estava tentando parar de beber. Frequentava um grupo de  dependência láctea,  o TETA (Trabalho Especializado de Transformação do Aleitamento). Aí fui expulso de lá. Carsulina não estava naqueles dias. Tinha viajado para o estrangeiro. E depois foi para fora do país. O Cêrro era uma terra sem lei. Os mais fortes batiam nos mais fracos. E houve uma confusão por conta dumas vadias no bolicho do Tuiuco. Eu havia bebido muito. Não lembro de nada. Só lembro que saíram dois esfaqueados. E botaram a culpa em mim. Fui preso. Condenado a dezoito anos de cadeia, cumpri todos, e aos cinco anos de idade, saí, por bom comportamento. Tomei outro rumo na vida e arrumei um trabalho. Ganhava pouco, mas era digno. Por onze anos, carregava sacos de batatas para um armazém, onde me deixavam dormir aos fins de semana. Tempos duros, mas na vida de um homem de verdade, dureza é sobremesa. Não posso me queixar. Eram bons comigo. Me deixavam comer com o guri. Lado a lado. Depois, venderam o guri. Vou sentir saudade daquele burro.
O tempo passou. Voltei pro Cêrro com uns trocados no bolso. Um toco de canivete e um naco de fumo que troquei pelas botas. Uma bota, na verdade. A outra eu nunca encontrei. Mas servia para almoçar dentro dela.  Aí um dia passando pela igreja, ouvi um gemido nos fundos. Fui espiar. Sempre vou espiar quando ouço gemidos nos fundos da igreja.  Assiem sou eu. Meu nome é "espião". Era uma velha mijando. Achei uma falta de respeito. Tive que bater na velha. Fui preso de novo. Mais doze anos em cana. Aquilo já estava ficando enjoado. Fiz um acordo com o delegado e ele entendeu minha situação e pouco mais de vinte anos depois, me soltou. Acredito no dom da palavra. Passei a lábia nele, eu sei.  Me sinto culpado por isso, mas eu era um guri. Tinha seis anos. Tinha que me virar. me virei e lá estava ela: com os cabelos soltos ao vento, vestido branco e barba por fazer. Olhou pra mim. Olhei pra ela. "Se olhêmo". E sem dizer nada, fomos embora. Saí dali desgostoso e voltei a beber.
Bebi por mais oito anos. bebia dia e noite sem parar. Estava na miséria total. Aí encarei a situação e decidi: vendi as garrafas do que havia bebido. Vendi todas. Fiquei rico. E voltei pro Bassorão.
Não conheci mais ninguém e ninguém mais me conheceu. Melhor assim. Aí não precisei pagar os vales que assinei no bolicho do Tuiuco. Nem o que saí devendo no jogo de truco pra Carsulina e pro Frei Uomo.
Montei meu negócio e toco em frente. Confio no negócio. O negócio nunca me deixou na mão. Me leva longe. Me traz de longe.
bem, aprosa vai boa, mas é tarde e vai chover. Vou-me já que está pingando. Até a volta.
Upa! Upa! Bamo Negócio! Bamo mula! upa..upa...

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