segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Carsulina e os marimbondos atômicos



Fazia frio no Cêrro do Bassorão. Poucas casas tinham ainda as luzes tremulando dos candeeiros de corosena àquela hora da noite, quase dez, o que no Bassorão equivale à alta madrugada. Todos dormem cedo. Especialmente nos dias frios. Menos fogo nos fogões de tijolos com uma chapa crepitanto com gotas da água que fervia na cambona e saltitava aos pingos, num frêmito dançante até se esvair em nada. Chiado contínuo em contraponto com o vento minuano lá fora. Quase todos dormiam. menos uma pessoa: Carsulina!
A Dama do Bassorão terminava suas tarefas do dia, arrumava as matulutagens e deixava um nó de pinho no braseiro, cobrindo-o com cinza para que um tição durasse até a manhã logo adinte, e iniciava suas rezas da noite. Veiáca, sim. Ímpia, jamais!
Uma reza, duas rezas, um paiêro... uma esticadinha até a janela pra cuspir, uma mijadinha no penico embaixo da cama, e o sono chegou. Pensa nas coisas do dia, pensa nos afazeres do dia seguinte...e desaba a dormir.
Um graxaim choraminga ao longe. Uma coruja pia. Grilos silenciam devagar..no banhado ali perto a saparia agoura e finalmente todas as luzes se apagam. O Cêrro dorme, silenciosamente.
Um risco luminoso cruza o céu em baixa altitude, acompanhado de um zumbido contínuo e veloz. O silêncio continua. Mais sapos coaxando. Grilos. Outro risco luminoso. Outro zumbido. E mais um. Um atrás do outro, seguidos, sem parar...agora uma constelação inteira deles e um zumbido ensurdecedor. As luzes se acendem e tremulam. As janelas se abrem. O povedo sai de olhos arregalados para ver aquilo. Padre Uomo bebe uns goles e se benze, e benze o vilarejo. Arregala o olho e olhando firme para o vaivém dos riscos luminosos, prenuncia uma apocalípsia, termo que criou para falar em alguma catástrofe.
-É a apocalípsia fulgurante dos apoteóticos e efêmeros seres celestiais! - Exclamou benzendo tudo com cachaça, sem se dar conta. - E emendou:
- A pléiade ululante desatina-se sobre os pecadores e os sete ais da Revelação há de refestelar-se nas ferçuras dos que não se emendarem! - apontando o dedo em contínuo movimento para os paroquianos apavorados.
Enquanto isso,  o vaivém das luzes dançando e tremulando no breu da noite, desenhava contornos em circulos e pétalas de flores entre o vazio das estrelas, que entre medo e êxtase, pasmava a todos aque presenciavam o espetáculo. O criançada pulava de alegria, enquanto os mais velhos ralhavam com os piás e as velhas se esgueiravam de canto, o tal revesgueio, e algumas chegavam a se mijar de pavor. Outras porque eram porcas mesmo e aproveitavam a ocasião para aliviar a bexiga num canto qualquer do terreiro.
Lá no aconchego do velho catre perfumado com alecrins e massanilha, repousava Carsulina, a Leide das coxilhas airosas das terras do Bassorão. Porém, o ruidoso vozerio a fez despertar de seus vaticínios, e também ela saiu a ver o que estava acontecendo.  Olhou para um lado. olhou para outro. Acendeu um paiêro. Cuspiu para o lado. Olhou de novo e deu uma gargalhada ruidosa.
Todos olharam espantados, mas aliviados também, pois a Madrinha havia desvendado com certeza todo o mistério, e mesmo sem compreender sabiam que poderiam dormir em paz.  Porem a curiosidade era maior que o medo, e pouco tempo depois se enfileiravam na casa da velhota para sbaer dos fatos. E ela explicou, pacientemente, como sempre fazia.
-Filhos! Vosmeceis não hão de carecer dormir com medo de nada, causo de quê esses luminares baruientinhos nada mais são de que um cruzamento que tenho feito de marimbondo com vagalume pra mor de produzir marimbondos atômicos. A cousa fonciona ancim: Um marimbondo atomico ferroa uma peçoua, digamos, no nariz. isso vai inchar. Dói um pouco, mas com cachaça e mistruis, logo passa. e esse inchume também vai ser luminoso. Aí a peçoua em questã se torna uma lamparina andante. Não carece mais de corosena e o mundo terá menas fumaça. Isso é inerjia sustentáver. So tou cafifada com uma côza: quem será que srtô os bichinho?
E satisfeitos, todos foram dormir. Inclusive duas figuras sinistras que passaram a noite perambulando pelos campos à procura de mais marimbondos para soltar, por mandado de uns gringos que cavocam buracos em busca de alcatrão.

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